Quando criança,
ainda pelos idos de 1951/52 levaram-me como companhia, a um certo velório no
sítio Cinzas, comunidade pertencente ao município da cidade de Esperança-PB.
Saímos de casa à tarde, caminhamos por mais de uma hora e já era tardinha,
quase noite, quando lá chegamos. Tratava-se de uma anciã rezadeira bem
conhecida na região cuja idade dizia-se ser acima dos 70 anos, que morava
sozinha e que havia morrido “de repente”, denominação que se usava quando
alguém “infartava” naqueles tempos, fulminantemente. A falecida era vizinha de
uma minha irmã, a mais velha, Ovídia, casada havia poucos anos e que hoje com
quase 93 anos, encontra-se acometida de Alzheimer.
A casinha da
falecida era pequena, de taipa, coberta com um misto de folhas de coqueiro e
sapé, e o piso de chão batido. Entramos, e para minha curiosidade de criança
amedrontada, a defunta jazia deitada sobre um tablado à meia altura, suspenso
por dois cavaletes de paus verdes cortados, e, recentemente improvisado. As
visitas começaram a aparecer e com elas o combinado para o frequente ritual do
cântico de “Excelência”, “Excelênça” ou “Incelênça” como eram mais usados. Sob
a luz fumacenta de uma única lamparina, mais uma ou duas velas, não havia mais
de meia dúzia de vozes de mulheres cantadeiras quando o uníssono e lamentoso
lamurio ecoou na escuridão sombria daquele ambiente funesto, sem lágrimas nem
sentimentos.
As cantadeiras
aglomeraram-se junto aos pés da falecida, como de costume, local indicado para
entoar os clamores segundo os preceitos da fé religiosa.
No lamento da
cantata, havia uma série de frases sempre numa quantidade de doze versos
rimados e repetidos a exemplo dos que se seguem:
A luz da estrela
guia
Se escondeu, não
vem mais brilhar
E o corpo que
aqui esfria
Não vê mais o
dia
Nem o sol raiar.
…………………………....
E assim, o
lamento das vozes femininas se repetia por toda a madrugada, com alguns
intervalos para suas baforadas nos seus pequenos e sinuosos cachimbos, até que
às seis horas da manhã seguinte era entoado o último lamento antes de o corpo
ser posto distendido numa surrada rede suspensa por um caibro que se apoiava
nos ombros de dois senhores que se revezavam na caminhada carregando o féretro
rumo à última morada dos ricos e orgulhosos, pobres e humildes e que dizia assim:
O corpo já
vai-se embora
Tá na hora do
corpo ir,
E a Virgem Nossa
Senhora
Já chegou, é
hora
Do corpo sair.
……………………….……….
E ao longo do
trajeto, hábito da época, raro era a casa à margem da estrada onde não houvesse
pessoas paradas, esperando a passagem do cortejo fúnebre, que pediam para ver o
corpo de quem havia morrido. Na maioria das vezes, nessas paragens, estendia-se
a rede sobre o chão para descanso dos que conduziam o esquife, mas o fato se
repetia, também, mesmo dentro da cidade.
E assim foi, no
afã da minha melancólica e comovida experiência de menino que conheci o sombrio
e clamoroso cântico de “Excelência” aos mortos.
PVH-RO,
02/11/2005.
P.S. de Dória
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