Pular para o conteúdo principal

Fazenda Bela Vista

Da inspiração de Sol à luta agrária

Fazenda Bela Vista (anos 80)
Alvo de disputas por terras no passado, a Fazenda Bela Vista guarda muitas histórias. Ali morou durante 18 anos o poeta e intelectual esperancense Silvino Olavo da Costa. A casa sede da propriedade está localizada no final da Rua Barão do Rio Branco, no bairro Beleza dos Campos, e tem uma posição privilegiada. Próximo a “Ladeira do Mouco”, em um dos pontos altos da cidade, a residência construída em 1937 já sofreu algumas reformas, o que alterou sua estrutura original.
Antigamente podia ser visto ali um relógio de pêndulo, datado de 1910, e outros utensílios bem antigos. Ao lado daquela morada existe um pé de jucá com mais de 100 anos, e que provavelmente tenha inspirado o poeta, pois vivera lá parte da infância e voltaria em 1952.
Após sucessivas transmissões, restou a propriedade nas mãos de Valdemar Cavalcante e alguns herdeiros do poeta, fiscal da receita que arrendara as terras há mais de 30 pessoas. Eram famílias que recebiam a terça parte da produção. Alguns estavam ali há mais de trinta anos. O rendeiro era considerado um bom patrão e havia prometido vender aquelas terras para os posseiros através do crédito fundiário.
No final de ’86, com o falecimento de seu Valdemar, a viúva e os herdeiros resolveram vender a propriedade que foi adquirida pelo ruralista Manuel Salvador.
O comprador fez “acordo de boca” para dar mil cruzeiros por cada hectare plantado aos arrendatários, com o compromisso de saírem da propriedade até setembro de 1988. O pacto não foi honrado pelo proprietário, que fechou a antiga estrada que dava acesso aos agricultores, dificultou o trato com a lavoura e registrou boletim de ocorrência policial por invasão. 
Iniciava-se assim a disputa por aquelas terras.
O passo seguinte para a desocupação foi acionar a justiça através de um mandado de reintegração que foi cumprido pelos oficiais de justiça desta Comarca: José Henriques da Rocha e Adriano de Araújo Pereira, com o apoio da polícia de Campina Grande, através de um delegado especialmente designado.
Após estes fatos, “Mané Oião”, como era mais conhecido, batizou a sede da fazenda de “Recanto do Inferno”, como ofensiva para aqueles que pretendiam a permanência naquelas terras, utilizando-se de uma prática muito conhecida dos fazendeiros, que é amedrontar com o uso da força manipulada por capatazes, mas também em afronta à própria religiosidade dos posseiros.
Trinta e sete famílias são expulsas da terra” – destacava o jornal estudantil “Novo Tempo” (1987). Eram meeiros e arrendatários, que teriam a preferência de compra.
Despejados, os “sem-terra” buscaram apoio junto à igreja local, ocupando os espaços do Sindicato Rural de Esperança. Também por um curto período, ficaram acampados em frente ao Forum desta Comarca, mas por ordem do juiz – Dr. Antônio do Amaral – foram retirados daquela praça.
Eles iniciaram uma disputa pela posse da terra, permanecendo e sendo expulsos/desalojados várias vezes. O conflito atraiu as atenções da Comissão Pastoral da Terra/CPT-PB e do Movimento dos Sem Terra/MST, dentre outros, que vieram em apoio à permanência dos então “posseiros”.
O próprio advogado de Mané ao perceber o uso da força bruta e práticas nada ortodoxas (uso de um trator para destruir a plantação e notícias de ataques e ameaças aos posseiros), abandonou a defesa processual. Das 32 famílias que ocupavam a fazenda, apenas 17 resistiram àquela investida.
A luta se intensificou quando os posseiros resolveram acampar em frente ao palácio do governo, na Capital do Estado, onde permaneceram até que o governador Tarcísio de Miranda Burity resolveu adquirir as terras da “Bela Vista”, concedendo o direito de posse aos agricultores-rendeiros.
A fazenda foi desapropriada em 1987 pelo INCRA, garantindo a posse definitiva àquelas famílias. A placa ofensiva foi reescrita para “Recanto da Esperança”.

Rau Ferreira

Referência:
- FERREIRA, Rau. Banaboé Cariá: Recortes historiográficos do Município de Esperança. SEDUC/PME. A União. Esperança/PB: 2016.
- PARAÍBA, Arquidiocese da. Nos posseiros da Bela Vista. CPDOC/SEDUP. João Pessoa/PB: 1987.

- SCHENATO, Vilson César. BATISTA, Mércia Rejane Rangel. Identidade, luta pela terra e resistência: Exercício analítico a partir de um assentamento na Paraíba. V. 35. N. 01. Raízes. UFCG: 2015.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A Pedra do Caboclo Bravo

Há quatro quilômetros do município de Algodão de Jandaira, na extrema da cidade de Esperança, encontra-se uma formação rochosa conhecida como “ Pedra ou Furna do Caboclo ” que guarda resquícios de uma civilização extinta. A afloração de laminas de arenito chega a medir 80 metros. E n o seu alto encontra-se uma gruta em formato retangular que tem sido objeto de pesquisas por anos a fio. Para se chegar ao lugar é preciso escalar um espigão de serra de difícil acesso, caminhar pelas escarpas da pedra quase a prumo até o limiar da entrada. A gruta mede aproximadamente 12 metros de largura por quatro de altura e abaixo do seu nível há um segundo pavimento onde se vê um vasto salão forrado por um areal de pequenos grãos claros. A história narra que alguns índios foram acuados por capitães do mato para o local onde haveriam sucumbido de fome e sede. A s várias camadas de areia fina separada por capas mais grossas cobriam ossadas humanas, revelando que ali fora um antigo cemitério dos pr

A menor capela do mundo fica em Esperança/PB

A Capelinha. Foto: Maria Júlia Oliveira A Capela de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro está erigida sob um imenso lajedo, denominado pelos indígenas de Araçá ou Araxá, que na língua tupi significa " lugar onde primeiro se avista o sol ". O local em tempos remotos foi morada dos Índios Banabuyés e o Marinheiro Barbosa construiu ali a primeira casa de que se tem notícia no município, ainda no Século XVIII. Diz a história que no final do século passado houve um grande surto de cólera causando uma verdadeira pandemia. Dona Esther (Niná) Rodrigues, esposa do Ex-prefeito Manuel Rodrigues de Oliveira (1925/29), teria feito uma promessa e preconizado o fim daquele mal. Alcançada a graça, fez construir aquele símbolo de religiosidade e devoção. Dom Adauto Aurélio de Miranda Henriques, Bispo da Paraíba à época, reconheceu a graça e concedeu as bênçãos ao monumento que foi inaugurado pelo Padre José Borges em 1º de janeiro de 1925. A pequena capela está erigida no bairro da Bele

Barragem de Vaca Brava

Açude Vaca Brava, Canalização do Guari (Voz da Borborema: 1939) Tratamos deste assunto no tópico sobre a Cagepa, mais especificamente, sobre o problema d’água em Esperança, seus mananciais, os tanques do Governo e do Araçá, e sua importância. Pois bem, quanto ao abastecimento em nosso Município, é preciso igualmente mencionar a barragem de “Vaca Brava”, em Areia, de cujo líquido precioso somos tão dependentes. O regime de seca, em certos períodos do ano, justifica a construção de açudagem, para garantir o volume necessário de água potável. Nesse aspecto, a região do Brejo é favorecida não apenas pela hidrografia, mas também pela topografia que, no município de Areia, apresenta relevos que propiciam a acumulação das chuvas. O riacho “Vaca Brava”, embora torrencial, quase desaparece no verão. Para resolver o problema, o Governador Argemiro de Figueiredo (1935/1940) adquiriu, nos anos 30, dois terrenos de cinco engenhos, e mais alguns de pequenas propriedades, na bacia do açude,

História de Massabielle

Capela de Massabiele Massabielle fica a cerca de 12 Km do centro de Esperança, sendo uma das comunidades mais afastadas da nossa zona urbana. Na sua história há duas pessoas de suma importância: José Vieira e Padre Palmeira. José Vieira foi um dos primeiros moradores a residir na localidade e durante muitos anos constituiu a força política da região. Vereador por seis legislaturas (1963, 1968, 1972, 1976, 1982 e 1988) e duas suplências, foi ele quem cedeu um terreno para a construção da Capela de Nossa Senhora de Lourdes. Padre Palmeira dispensa qualquer apresentação. Foi o vigário que administrou por mais tempo a nossa paróquia (1951-1980), sendo responsável pela construção de escolas, capelas, conclusão dos trabalhos do Ginásio Diocesano e fundação da Maternidade, além de diversas obras sociais. Conta a tradição que Monsenhor Palmeira celebrou uma missa campal no Sítio Benefício, com a colaboração de seu Zé Vieira, que era Irmão do Santíssimo. O encontro religioso reuniu muitas

Uma noite de estrelas

  No último dia 03 de março foi à óbito Antônio de Pádua Torres. Compadre de dois de meus filhos, contraparente casado com minha tia Marizé. Ela falecida no dia 27 de setembro de 2019. Primeiro esperancense a ocupar o mais alto posto do Ministério Público, com assento na Câmara Criminal. Filho do agente fiscal Severino de Alcântara Torres e dona Corina Coêlho. Faria 81 anos no próximo dia 15 deste mês. Votos de pesar foram registrados pela prefeitura local, Câmara Municipal de Campina Grande, Academia de Letras de Campina Grande e a Ordem dos Advogados seccional campinense. Era um grande conhecedor da nossa história, mesmo porque dela participou ativamente. Em nossa cidade, trabalhou na antiga concessionária Chevrollet, que funcionava na rua do Sertão; foi Secretário de Administração na primeira gestão de seu Luiz Martins e, imaginem, ex-aluno do Seminário Propedêutico “Nossa Senhora das Graças”, organizado por Padre Palmeira (1957). Uma noite amanhecemos o dia ouvindo música e